domingo, 10 de maio de 2009

BOAL (NYT)

10/05/2009

Augusto Boal, 78, um diretor que deu voz às plateias

The New York Times News Service
Por Bruce Weber
O diretor e teatrólogo brasileiro Augusto Boal, que criou formas de teatro interativo e politicamente expressivo sob o rótulo de Teatro do Oprimido, morreu no sábado (dia 2) no Rio de Janeiro. Ele tinha 78 anos.

A causa da morte foi insuficiência respiratória, disse Elisa Nunes, assessora do hospital Samaritano no Rio, informou a Associated Press.
Boal sofria de leucemia.

Enquanto diretor e dramaturgo, Boal tinha um interesse especial pela relação entre o espectador e o ator, e sua carreira foi uma busca constante por uma parceira maior entre ambos. Em sua filosofia, a vida e o teatro são intimamente relacionados; os cidadãos comuns são atores que simplesmente não têm consciência de que estão numa peça, e todos podem fazer teatro, até quem não tem formação. Em seu trabalho, o público normalmente se tornava um participante ativo da própria encenação.

O Teatro do Oprimido, que Boal criou no começo dos anos 70 e que se tornou um movimento internacional com seguidores em mais de 40 países, tem uma motivação tanto política quanto artística. Suas produções têm como tema a injustiça, principalmente nas comunidades pobres ou desfavorecidas politicamente, cujas vozes raramente são ouvidas. Ao longo dos anos, Boal desenvolveu vários formatos.

O movimento, brechtiano em seu engajamento social, tem seu nome derivado da "Pedagogia do Oprimido", manifesto educacional de 1968 escrito pelo filósofo Paulo Freire. O Teatro do Oprimido cresceu a partir do trabalho de Boal no Teatro de Arena, em São Paulo, entre
1955 e 1971. Nos anos 60, o dramaturgo criou o chamado Teatro Jornal, em que ele e seus colegas iam para fábricas e igrejas, incentivavam a discussão de assuntos cobertos pelos jornais e ajudavam as pessoas a dramatizá-los.

Outras variações do tema vieram em seguida. Uma delas foi o Teatro Invisível, no qual os atores, fingindo espontaneidade, representavam uma cena preparada num lugar público - um restaurante ou praça movimentada - atraindo inevitavelmente a participação dos cidadãos.
Outra foi o Teatro Fórum, em que uma peça sobre um problema social transformava-se no começo de uma negociação; a plateia era encorajada a sugerir diferentes formas de resolução para a peça e até mesmo a subir no palco para ajudar a interpretá-la.

Considerado subversivo pela ditadura militar brasileira, Boal foi preso por vários meses em 1971 e depois exilado. Ele morou na Argentina, em Portugal e na França enquanto o Teatro do Oprimido se expandia, retornando ao Brasil depois que a democracia foi restaurada em 1985.

Nos anos 90, ele trabalhou por três anos na prefeitura do Rio de Janeiro. Lá ele aplicou seu princípio teatral e político básico - o monólogo é a ferramenta da opressão, e o diálogo é a ferramenta da democracia - ao trabalho no governo.

"Esse livro tenta mostrar que o teatro é necessariamente político", escreveu Boal em "Teatro do Oprimido", sua influente obra teórica publicado em 1974, "porque todas as atividades do homem são políticas, e o teatro é uma delas".

Boal nasceu no Rio, de pais portugueses, em 1931. Estudou engenharia química, mas se interessou pelo teatro desde a infância, e esse interesse ficou mais forte quando ele foi para a cidade de Nova York no começo dos anos 50. Ele frequentou a Universidade de Columbia, onde estudou tanto química quanto dramaturgia e encenou suas primeiras peças. Voltou ao Brasil em 1955 e, deixando a carreira científica de lado, foi trabalhar no Arena. Seu primeiro trabalho lá como diretor foi uma adaptação de "Ratos e Homens", de John Steinbeck.

"Como eu não era diretor, não tinha medo de dirigir", dizia ele sobre seus primeiros trabalhos, de acordo com um estudo biográfico feito por Frances Babbage.

Boal foi casado duas vezes. Ele deixou a mulher Cecília e dois filhos, Julian e Fabian.

Boal também escreveu muitos livros, incluindo "Jogos para Atores e Não Atores", que descreve exercícios e técnicas para integrar atores e espectadores, e a autobiografia "Hamlet e o Filho do Padeiro".

Intelectual afetuoso e professor entusiasmado, Boal foi um pioneiro que passou seus últimos anos de vida divulgando sua concepção do teatro como um espaço com oportunidades iguais para profissionais e amadores. "Acho que qualquer um pode fazer teatro", dizia ele. "Até mesmo os atores. E pode-se fazer teatro em qualquer lugar. Até mesmo no teatro."

Isso não quer dizer que ele desdenhava as formas convencionais ou o teatro profissional. Na verdade, Boal dirigiu obras de Shakespeare e outras peças durante sua carreira. Mas ele almejava mais do que o convencional. Em uma entrevista à televisão em 2005, Boal mencionou que, em "Hamlet", Shakespeare diz que o teatro é um espelho da vida.

"Acho isso muito bonito", disse Boal. "Mas eu gostaria de ter um espelho mágico no qual, se não gostamos da imagem que temos na nossa frente, podemos entrar e transformar nossa imagem, para depois voltar com a imagem transformada."

(Tradução: Eloise De Vylder)


domingo, 3 de maio de 2009

Boal


DA FOLHA DE DOMINGO

Morre Augusto Boal, 78, criador do teatro do oprimido
Dramaturgo, que lutava contra leucemia, estava internado desde terça no Rio; corpo será cremado hoje à tarde

Metodologia criada por Boal conjugava teatro e ação social; em março, diretor foi nomeado embaixador do teatro pela Unesco

DA SUCURSAL DO RIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Morreu na madrugada de ontem, aos 78 anos, no Rio, o teórico, diretor e dramaturgo Augusto Boal, expoente do teatro de resistência à ditadura no Brasil. Ele teve insuficiência respiratória, complicação decorrente de uma leucemia.
Boal estava internado desde terça-feira com infecção nas vias respiratórias, segundo o Hospital Samaritano. Lutava contra a leucemia “havia vários anos”, de acordo com seu filho Julian. O corpo será cremado no fim da tarde de hoje, no Cemitério São Francisco Xavier.
O diretor tornou-se mundialmente conhecido pelo teatro do oprimido, metodologia criada por ele em 1972 que conjuga teatro e ação social.
Em 25 de março deste ano, em Paris, ele foi nomeado embaixador mundial do teatro pela Unesco. Na ocasião, encerrou seu discurso assim: “Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!”.
Nascido em 1931, no Rio, Boal formou-se químico aos 21 anos, mas, aos 24, decidiu cursar teatro na Universidade Columbia (EUA). Um ano depois, em 1956, estreou como diretor no Teatro de Arena, em São Paulo, com a peça “Ratos e Homens”, de John Steinbeck.
Em 57, criou seu primeiro texto, a comédia “Marido Magro, Mulher Chata”. Dois anos mais tarde, o sucesso de “Chapetuba Futebol Clube”, com direção dele, confirmou o acerto da decisão do Arena de investir em dramaturgia nacional.

Parceria com o Oficina
No começo dos anos 60, Boal foi um dos articuladores de um intercâmbio entre os grupos Arena e Oficina, que gerou espetáculos como “A Engrenagem” e “José, do Parto à Sepultura”. Diretor deste último, Antônio Abujamra disse ontem que Boal “era a demonstração de que um diretor de teatro é um bicho social que tem de atuar com uma visão crítica”.
A partir de 62, ainda no Arena, esteve à frente de um movimento de nacionalização de textos clássicos, que incluiu montagens de “A Mandrágora”, de Maquiavel, e “Tartufo”, de Molière. Pouco após o golpe de 64, dirigiu no Rio o show “Opinião”, que reuniu artistas num gesto de resistência ao regime.
A partir daí, assinou musicais que recriavam biografias de personagens históricos, como “Arena Conta Zumbi” e “Arena Conta Tiradentes”. Nessa série, criou o chamado “sistema coringa”, em que atores se revezavam nos papéis.
Entre 68 e 70, excursionou com o Arena por EUA, México e outros países. Em 1971, foi preso pelo regime militar, pelas ligações com o Partido Comunista do Brasil. Três meses depois, ao ser solto, foi para os EUA e, em seguida, para Argentina e Portugal.
Ali, começou a difundir o teatro do oprimido, em suas palavras, “uma metodologia transformadora que propõe o diálogo como meio de refletir e buscar alternativas para conflitos interpessoais e sociais”.
No exílio, escreveu “Mulheres de Atenas” (adaptação de “Lisístrata”, de Aristófanes), com letras de Chico Buarque, que ontem lembrou: “A gente se correspondia muito e disso resultou a canção “Meu Caro Amigo” (1976), parceria com Francis Hime, destinada a ele. Nos últimos tempos [...], deixamos de nos ver, mas a amizade se manteve”.
Com a anistia, Boal retornou ao Brasil, em 1984. Em 1993, enveredou pela política: foi eleito vereador e usou as técnicas do teatro do oprimido para ouvir as queixas da população e elaborar projetos de lei.

Lê...Minski - leitura dramatizada